Livros da Fuvest são chatos mesmo?

 

Nosso professor coordenador José Roberto listou três obras para você conhecer estes livros que – apesar de obrigatórios – são fundamentais para qualquer leitor.


Por Professor Coord. José Roberto

A gente cresce e alguns livros, neste processo, parecem se tornar marcas que mais se aproximam de feridas rá rá rá (imitando José Simão). O fato é que muitos clássicos fazem a gente torcer o nariz. E há muitas razões para isso, desde as fatídicas provas obrigatórias até a linguagem descritiva idealizante que, em muitos casos, não se adequava às idades e à formação de nossa juventude.

Ela me deu “O cortiço” para ler…

Eu mesmo quando tinha 13 anos já me interessava muito por leitura. Procurei a professora de português para receber uma dica. Eu queria ler algo especial e intenso. Ela foi até a biblioteca e me deu em mãos o livro de Aluísio Azevedo, “O cortiço”. Animado segui para a leitura e não passei da quinta página rá rá rá.

É fato que eu não estava preparado para aquilo. Minhas leituras andavam pelos quadrinhos de Batman e Monstro do pântano, de Allan Moore. Apesar de ser literatura muito séria e de qualidade, ainda não me dava o vocabulário e os suportes narrativos necessários para obras mais densas.

O tempo passou. E já com marmanjo de 20 anos tentei “O cortiço” e pirei naquilo. Era muita maldade, muita intensidade, muita crítica, muito tudo! Era – finalmente – especial e intenso.

É por isso que na coluna de literatura de hoje vou falar sobre três livros da Fuvest – estas obras consideradas “nariz torto” por mim lá no passado e por muitos até hoje, mas que com um novo olhar podem ser absorvidas de maneira especial – até se mostrarem transformadoras.

 

Iracema – José de Alencar

iracema

Fatalmente o que cativa na obra de José de Alencar são as possibilidades que o autor encontra para descrever cenários, sentimentos e acontecimentos. Uma leitura mais atenta à obra revela que a história tão conhecida da índia Iracema (repare no anagrama revelador do nome da heroína = América) que se apaixona pelo guerreiro português Martin (Marte é deus da guerra na mitologia) vai além das convenções do amor impossível.

É um deleite perceber a fluidez das palavras de José de Alencar. Seu texto aproxima-se do poético pelas sonoridades e pelas imagens que produz. Além destes aspectos que criam camadas sonoras e visuais intensas em seu livro – perceber a forma como o autor reproduz sentimentos é de “cair o queixo”, impossível não se deixar levar pela musicalidade do texto de Alencar.

Uma curiosidade: “Iracema” é premissa para o sucesso “Avatar”. Quem gostou do filme encontrará inúmeras coincidências (será?) com o livro. Não deixe de comentar aqui.

Vidas Secas – Graciliano Ramos

vidas secas

Seco. Conciso. Contundente. Cacto. A escrita de Graciliano Ramos (na minha modesta opinião o maior escritor brasileiro) revela trabalho minucioso na construção de cada frase. Este poder de objetividade é uma arma que nos arrebata quando, cirurgicamente, Graciliano nos faz sentir, mesmo que as personagens de “Vidas secas” sejam desprovidos de tudo – até de sentimentos.

A história mostra uma família que tenta fugir da seca. Miseráveis até nas palavras, os membros desta alquebrada família sobrevivem, reagindo como bichos aos desafios que surgem.

A crítica social bate forte quando surgem as figuras do Soldado amarelo e do Dono da fazenda – símbolos máximos de um Brasil ainda presente.

Animais brutos, a família é a antítese dos bichos – em especial – a cadela (mais humana da literatura) Baleia. Prepare-se para este capítulo.

A literatura de Graciliano Ramos é uma aula de fluidez de texto e construção. Curiosamente, se você se aventurar pelo livro, verá que os capítulos não atendem à forma tradicional de sequência. É possível ler o livro sem seguir sua cronologia (uau!).

 

Sagarana – Guimarães Rosa

sagarana

Inventor de linguagem e palavras, Guimarães Rosa é um autor para quem quer encontrar uma experiência de leitura. É fácil lê-lo? – Não, não é… mas é justamente na exuberância vocabular de Rosa que encontra-se seu maior tesouro.

O livro apresenta nove contos, e tem como cenário o sertão verdejante da Bahia e Minas Gerais, além de outras regiões promissoras, outras afastadas. Na sequência de contos, o autor apresenta um rol de personagens inóspitos, humildes e taciturnos; folclóricos e sofridos – sempre tateando a vida, trazendo em suas inquietações (inexplicáveis para eles mesmos) o universalismo das dores e questionamentos humanos.

Além da construção de histórias aparentemente simples, a fala de cada uma dessas personagens (seja doutor ou jagunço) é musical, e abre para o leitor um universo de sentidos talvez impossíveis de explicar. Exemplo: Saltando na sela, ele se levantou de molas. Subiu em si, desagravava-se, num desafogaréu”. Depois de ler coisas assim, fica impossível não introduzir nos seu próprio vocabulário as palavras de Guimarães.

“A volta do marido pródigo” e “A hora e a vez de Augusto Matraga” são meus contos preferidos. Mas, claro, minha opinião não é importante – então tente descobrir você mesmo onde se ver – como num espelho – nas palavras deste mestre.


PS.: se você quer saber mais sobre os livros da Fuvest comente aqui, certamente as análises não serão resumos para o exame vestibular, mas levarão você a outros possibilidades de leitura. 

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